Inês Ferreira
Num embate que mostrou as duas faces do Brasil, trabalhadores e empresários travaram uma batalha de ideias nesta terça-feira (30) durante o seminário “Alternativas para o fim da escala de trabalho 6×1”. De um lado, a defesa incansável da dignidade humana. Do outro, a preocupação com lucros e planilhas financeiras.
O presidente da Fetrhotel (Federação Interestadual dos Trabalhadores Hoteleiros de São Paulo e Mato Grosso do Sul), Cícero Lourenço Pereira, acompanhado de presidentes de sindicatos filiados esteve no evento. O encontro, realizado no SESC Santana, reuniu lideranças sindicais, empresariais e especialistas do meio acadêmico para discutir a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 8/25, que propõe o fim do regime de seis dias consecutivos de trabalho por apenas um dia de descanso.

A iniciativa é fruto do Requerimento nº 81/2025-CTRAB / SUBJORNA, de autoria do deputado Luiz Gastão (PSD-CE), relator da subcomissão que analisará a jornada de trabalho no Brasil.
Entre os representantes da categoria estavam o presidente da Fetrhotel, Cícero Lourenço Pereira, Luis Carlos Apolinário (Sechsar), Elisabete Cordeiro (Sinthoresp) e o presidente da Contracs, Julimar Nonato.

Já pelo lado empresarial, marcaram presença nomes como Ivo Dall’Acqua Júnior (Fecomércio-SP e CNC), Ricardo Alvarez Alban (CNI), João Martins da Silva Júnior (CNA), Vander Francisco Costa (CNT), Breno Monteiro (CNSAÚDE) e Nelson de Abreu Pinto (CNCOM) e o re

O debate também contou com a contribuição de especialistas e pesquisadores de diferentes instituições, entre eles os professores Hélio Zylberstajn e José Pastore (USP), além do economista Daniel Ferrer de Almeida, representando o DIEESE.

Os argumentos em confronto

A defesa dos empresários foi fortemente embasada em estudos apresentados pelo professor José Pastore (USP), que sustentou os interesses patronais. Os argumentos, segundo as lideranças sindicais, destoaram completamente da realidade enfrentada pelos trabalhadores, priorizando as preocupações com os prejuízos financeiros e a queda nos lucros. Pastore afirmou que tais perdas inevitavelmente seriam repassadas para a sociedade em geral.

Como alternativa à regulamentação legal, os representantes do setor empresarial defenderam que o tema da jornada fosse tratado exclusivamente no âmbito das negociações coletivas, propondo o fortalecimento desse instrumento. Esta proposta, no entanto, foi veementemente rechaçada pelas lideranças sindicais. Os trabalhadores argumentaram que, na prática, essas negociações são marcadas por uma profunda desigualdade de poder, onde é extremamente difícil que suas demandas por melhores condições e redução de jornada sejam atendidas pelos patrões, criando um obstáculo intransponível para a conquista de direitos.
Classe Trabalhadora
Já a defesa dos trabalhadores destacou os efeitos nocivos do regime 6×1 na vida profissional e pessoal. Os sindicalistas ressaltaram o adoecimento físico e mental decorrente da sobrecarga de trabalho, as triplas jornadas enfrentadas pelas mulheres e os impactos sociais e familiares causados pelo excesso de jornada.

Entre os que defenderam os trabalhadores, o presidente da CONTRACS, Julimar Roberto de Oliveira Nonato, enfatizou que a luta é pela dignidade.
“Não estamos aqui para falar de lucro ou prejuízo financeiro, mas sim da vida real dos trabalhadores. O excesso de jornada tem adoecido a classe trabalhadora e destruído famílias. É preciso garantir condições mais humanas e equilibradas”, afirmou.

Nonato detalhou sua posição: “O problema está relacionado às altas cargas horárias de trabalho e às metas cada vez maiores, muitas vezes impossíveis de serem alcançadas. Isso tem causado um grande transtorno mental e psicológico nos trabalhadores, e há pesquisas e estudos que comprovam essa realidade. A diminuição da carga horária por lei ajudaria a enfrentar essa situação. Dificilmente algum trabalhador será convencido de que folgar um dia e trabalhar seis é melhor do que trabalhar quatro e folgar três. Não vejo essa possibilidade”.

“Precisamos também considerar os benefícios econômicos e sociais: o DIEESE estima que seriam gerados cerca de seis milhões de empregos, com aumento do consumo e impulso ao turismo e serviços. Mesmo setores como restaurantes e bares poderiam distribuir gorjetas de forma justa, sem prejudicar ninguém. A proposta do deputado Luiz Gastão equilibra a concorrência entre grandes corporações e pequenos comerciantes, garantindo progressividade e proporcionalidade. E, por fim, precisamos refletir: a baixa produtividade no Brasil não está necessariamente ligada à jornada. Países com menor carga horária, como a Alemanha, têm alta produtividade. Trabalhar deve ser para viver, e não viver apenas para trabalhar.”

Dados e contexto económico

O debate também contou com a intervenção do advogado e economista do DIEESE, Daniel Ferrer de Almeida, que reforçou os dados sobre a sobrecarga de trabalho e seus impactos sociais e económicos:
“O mercado de trabalho brasileiro apresenta dois extremos: trabalhadores com jornadas longas e intensas, e quase 14 milhões de pessoas subutilizadas ou desempregadas. A participação feminina é baixa por falta de políticas de cuidado. A redução da jornada poderia criar 3,6 milhões de postos de trabalho. Quanto à produtividade, o problema não é o tempo trabalhado, mas sim a forma como o Brasil se insere na economia global. Trabalhadores mais descansados produzem mais. A reforma trabalhista de 2017 fragilizou a negociação coletiva, especialmente no comércio e serviços, onde a escala 6×1 é generalizada. A redução da jornada não pode depender de negociações individuais. É preciso um arcabouço legal que garanta direitos e condições humanas de trabalho.”
O seminário reforçou o embate histórico entre interesses de trabalhadores e empresários, destacando a necessidade de políticas públicas que conciliem justiça social, produtividade e respeito à dignidade do trabalho.

Dados do DIEESE sobre mercado de trabalho e jornada:

  • 77% do mercado formal trabalha mais de 40 horas semanais (2024).
  • Média de horas semanais por setor:
    • Indústria: 44h40
    • Comércio: 44h20
    • Transportes: 45h42
  • 14 milhões de trabalhadores subutilizados ou desempregados:
    • 6,2 milhões desocupados
    • 3 milhões desalentados
    • Quase 5 milhões subocupados por insuficiência de horas
  • Participação feminina no trabalho: 51% (vs 72% homens); diferença ligada à falta de políticas de cuidado.
  • Saúde e segurança: 6 mortes para cada 100 mil vínculos formais — 2º pior índice entre países do G20.
  • Impacto da redução da jornada: poderia gerar 3,6 milhões de empregos.
  • Produtividade: trabalhadores descansados apresentam maior produtividade; problema da baixa produtividade não está na jornada, mas na forma como o Brasil se insere na economia global.
  • Negociação coletiva: fragilizada pela reforma trabalhista de 2017, especialmente em setores com escala 6×1.

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